quinta-feira, 18 de maio de 2017

Violão

um ponto
de múltiplos poros crescendo vermelho
uma superfície plana
branca
contorcendo a dor de seu dedo
um plano áspero
diminuindo a cada latejar de sua tinta orgânica

a mão se move sob efeito torpe - ele disse,
ainda que meus olhos só vissem a luz da fogueira elétrica improvisada
avançando por entre a carícia dos dedos quentes

sábado, 10 de setembro de 2016

Sonho de uma noite de verão

E se os ventos dobrarem a esquina, perseguindo os vácuos das pessoas que dobram a esquina incessantemente? Imaginava que nesse ínterim, uma brecha de tempo se abriria diante dos olhos dos transeuntes... mas eles não perceberiam o ocorrido, nem por um átimo estranhariam o fato de que aquela brisa de ar poderia se tornar um tufão. Pobre dos japoneses que em seu arquipélago sentiriam a turbulência da revanche – e eles que achavam que suas borboletas nos atacariam.

Não, não. Mas não é isso que importa. Aquele momento em que uma pessoa, involuntariamente, gira o seu pé direito na direção oposta, a mais ou menos um ângulo reto, e toca com seu calcanhar distraído a película de asfalto...

Vácuo de tempo.

Mas não é isso que estou tentando dizer, deixa eu tentar explicar... calma. Inspira, expira, inspira... A taquicardia, a inimiga das noites. A acusadora da insônia e de um ataque de ansiedade.

Expira.

As pessoas e seus balãozinhos flutuantes, errantes, aquelas pessoas. Que viravam a esquina. Não sabiam, que se não virassem a esquina pudessem esbarrar, ao seguir reto, com o amor da suas vidas ou simplesmente pudessem ser atropeladas por um ciclista descuidado. Elas não sabiam da sorte e do azar que possuíam em mãos. Deram as costas à chance de se ter a sorte ou o azar, e voltaram as vertebras ao destino que se desdobrava ante seus narizes impecavelmente levantados (a alguns graus para cima). E desse desdém, sopros decorridos do movimento de se virar a esquina abanavam a monotonia do tempo, que os observava.

Vácuo.

O tempo e seu vácuo, sentado no banco de praça, observando os cidadãos daquela estranha cidade. O tempo achava mais estranho ainda colocar o adjetivo “estranha” diante da cidade. Para ele eram a mesma coisa. Cidade. E suas pessoinhas desprezíveis.

Ainda não estou bem. Já tomei um chá de camomila e sinto que estou prestes a cair da sacada... pelo menos é isso que o meu cérebro burro diz ao coração, que mais burro ainda acredita nele.

Inspira.

Expira.

Passos rápidos de pés rápidos pisam em pedras estáticas, mas soltas, encorajam a lama a subir e avisar aos donos dos pés rápidos que eles andam rápido demais e que estão cansados. Infelizmente os donos dos pés rápidos apenas param e olham aquela mancha em suas calças e reclamam, sem considerar o feito heroico que passou despercebido diante de seus narizes, voltados a seus umbigos impecavelmente centrados em si mesmos.

Flash!

E se o tempo parasse de olhar para aquela esquina e seus transeuntes, e cuidasse de sua própria vida? Se ele tivesse essa opção, imagino que ele se levantaria do banco de praça e caminharia pela cidade, e começaria a perceber que talvez, asfalto e pele fossem a mesma coisa: ambos conectados pelo acaso, e rígidos. Talvez se o tempo pudesse caminhar e sentar em um banco de praça ele seria só mais um estranho pousando o seu pé no asfalto quente de sol.

Inspira.

Mas, ainda não está igual ao que eu pensei. Não é isso que quero dizer... Por que não passa logo?

E de repente, alguém desiste. A desistência encontra o passo torpe da menina que saltitando desiste, juntamente com a desistência, de virar a esquina. E assim, sem saber, o nariz de uma pequena menina, voltado a quarenta e cinco graus para baixo, esquece-se de seu umbigo pequeno. Pena que o tempo já não estava mais sentado no banco de praça para ver o ocorrido, já que o tempo não podia andar pois não tinha pernas. A menina possuía pernas. E era estranha.

Vácuo de noite, verão ensurdecedor. Meu corpo me diz que algo vai acontecer, mas eu sei que não vai acontecer nada. As coisas são assustadoras vistas assim. Aliás, não há coisas, não há nada que eu possa fazer. Tento fechar meus olhos, mas eles não me obedecem. Pontos estáticos clavados em uma parede, é isso o que eles são.

Ainda não é assim que eu quero que fique.

Coloco a mão no coração, e as batidas parecem estar mais tranquilas.
Acho que agora vou poder dormir.

A menina vê dois pontos estáticos clavados no asfalto. Mal sabe ela que tinha acabado de salvar um arquipélago inteiro, e que o vácuo de tempo ocasionado pelo vento das costas das pessoas que viravam a esquina criaram dois olhos que de um lado estavam se abrindo no asfalto, e, de outro,  fechavam-se para a noite ensurdecedora e taquicardíaca de verão.


terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

E aqui no peito é tudo tão
Movediço
E aqui no meio dos meus seios é tudo
Tão
Por baixo da pele branca buracos negros
E por cima da cratera roxa
Um gosto espesso que transborda os vãos dos dentes
E por baixo a areia em secura tão só
e aqui tão
eu
e as cascas ainda demovem
e a estaca de seus ossos
nos meus
parênteses eternos
e aqui por entre os mamilos tudo igual
um fio um eixo de
gravidade que me conecta lentamente aos seus
e mais tarde
poeiras púrpuras sairão dos vãos dos olhos
e a pele arrancarei toda
até que a dor nos separe.  

sexta-feira, 17 de julho de 2015

Apenas duas mãos

levo comigo o segredo do mundo
e o mundo me leva em secreto sigilo

guardo contigo o universo singelo
de te ter em mim em murmúrio contido

desato nós do passado
de fios amarrados pelo futuro

emaranhados pelo presente
respiro no teu peito
a implosão do caos rarefeito

quarta-feira, 8 de julho de 2015

sinto na boca um gosto de anzol
novamente sendo fisgada
e jogada de volta ao mar

sábado, 28 de fevereiro de 2015

Ao amigo Vitor M. Rigotti

viver
como se fosse
da primeira vez

abraçar 
cada momento
como se fosse o
último

se despedir 
pois tudo que é livre
deságua 
no mar da saudade

domingo, 8 de fevereiro de 2015